“6ª série
Natiele - turma 6A vespertino
Eduardo – turma 6A vespertino
Biblioteca
Naty deslizava o dedo indicador pela lombada de vários livros de literatura estrangeira. Havia lido praticamente todos os exemplares de aventura, romance e ficção que a biblioteca dispunha no momento, e sempre ansiava por mais.
Livros a fascinavam imensamente, pois os considerava como a materialização do conhecimento e de ideias. Algo abstrato e intangível que era solidificado em letras, palavras, parágrafos, páginas e capa; acessível então a qualquer ser humano que desejasse assimilar a informação que continha.
Desinteressadamente, a garota lançou um olhar ligeiro para os colegas ao redor. Todos estavam empenhados na missão de escolher algum livro que pudessem utilizar na atividade das aulas de Português daquele bimestre. Os risos e as conversas agitadas estavam levando a pobre bibliotecária à loucura, que monitorava a algazarra com seus olhos enraivecidos por trás dos óculos de lentes retangulares.
Ignorando o tumulto ao seu redor, a atenção de Naty recaiu sobre a figura de um rapaz sentado à distância, numa das várias cadeiras dispostas ao redor das mesas de leitura; era Edu. Aparentemente, ele já havia escolhido um livro e percorria os olhos pelos parágrafos introdutórios. A expressão séria e concentrada em seu rosto deixou a garota fora de órbita por alguns inebriantes segundos.
‘Eu poderia... Poderia sentar com ele e perguntar qual livro ele escolheu...’ pensou, sentindo aquele curioso aperto no peito que a simples visão do colega passou a lhe ocasionar recentemente.
Mas era tarde demais. Duas colegas animadas tomaram à dianteira e sentaram ao lado do rapaz, interrompendo sua leitura e articulando tolices juvenis aos seus ouvidos.
Naty, com um ar frustrado e infeliz, voltou-se para a prateleira diante de si retirando um livro qualquer. Num ato de descuido, acabou puxando consigo dois livros que estavam emparedados com o que havia acabado de remover; os livros espatifaram no piso com suas páginas se abrindo aos seus pés.
Os olhos da bibliotecária liberaram jatos de fogo em sua direção...”
Houve um estrondo forte e vigoroso, semelhante a um trovão, cortando o céu azul-claro que encobria uma praia de areia branca como o sal, banhada por ondas suaves de um majestoso oceano de tom azul-turquesa.
Dois corpos despencaram do céu e caíram na água, desaparecendo de vista por alguns instantes. No momento seguinte, um rapaz emergiu em meio às ondas acompanhado por uma jovem de longos cabelos castanhos, que aparentava ter sérias dificuldades para manter-se de pé. Os dois jovens cambalearam para fora da água e alcançaram a fina areia branca.
- O quê... O que houve... – Murmurou o rapaz negro, piscando com força para retirar a água salgada dos olhos e estudar a visão paradisíaca que se revelava diante de si.
A garota caiu de joelhos na areia, sentindo suas roupas ensopadas colando ao seu esbelto corpo, e afundou-se em um choro angustiado. O misterioso aro de luz branca permanecia aceso ao redor de seu pulso direito.
Edu levou as mãos à cabeça e deu alguns passos vacilantes ao redor do local onde se encontravam. Naty podia ouvi-lo murmurar frases desconexas que continham as palavras “sonho”, “alucinação”, e “não é real”. Mas a garota estava despedaçada demais por dentro para sequer considerar o fato de que estavam agora numa praia de tratos paradisíacos, sob o calor de um intenso e brilhante sol que se aproximava do horizonte de infinita água.
Sua mente vagava perdida em um labirinto de horrores, onde a cada curva deparava-se com imagens de prédios ruindo, coisas explodindo, chamas vermelhas e o som de milhares de vozes gritando em uníssono. Vozes de pessoas morrendo...
“Minha família!” pensou Naty, com o peso da realidade caindo sobre si.
A infeliz garota não suportou o fato de que sua família havia ficado lá, presa em meio aquele inferno que se esfacelava, e cobriu o rosto com as mãos salpicadas de areia.
- Não... Não... Pai! Mãe! – Lamentou dolorosamente.
Edu baixou os olhos para a figura que se lamentava desamparada. O rapaz não sabia o que fazer. Não havia absolutamente nada naquele momento que poderia fazer ou dizer para ajuda-la, exceto compartilhar de seu sofrimento. Ajoelhou-se devagar ao lado da garota e sentiu as lágrimas fluírem sozinhas por seu rosto, sem ser capaz de freá-las.
Aquele momento de pesar mútuo durou longos e silenciosos segundos, permeado pela sinfonia das ondas e o suave farfalhar das folhas de elevados coqueiros esparramados pela extensa praia desconhecida. Lentamente, a garota sentiu uma pequena força nascendo dentro de seu corpo; uma espécie de energia que brotava de seu peito e parecia rumar para a região de seu pulso onde o círculo luminoso se encontrava, aquecendo o sangue dentro de suas veias durante o processo.
Suas lágrimas cessaram por um momento, enquanto afastava o braço direito para longe do corpo e fitando-o com curiosidade.
Edu observou a garota estender o membro diante de si, apontando para frente. Notou uma expressão peculiar em sua face, como se estivesse aguardando algo acontecer com o halo em seu pulso.
- Naty, o quê...?
Subitamente, o halo lançou-se para fora do braço da garota e começou a rodopiar com crescente velocidade, adquirindo um aspecto de uma esfera luminosa.
Naty e Edu recuaram por impulso, caindo sentados sobre a areia macia, mas mantendo os olhos fixos na coisa que flutuava diante deles.
Houve um breve momento de silêncio e então uma voz amorfa, quase robótica, ecoou dentro da mente dos jovens:
- Meus cumprimentos, seres humanos. Sou o Guia, o responsável por traze-los aqui. Apresento minhas saudações e, como parte do procedimento introdutório, ofereço a opção de esclarecer os eventos que transcorrem e que conduziram à minha ativação.
Naty e Edu permaneceram paralisados; bocas entreabertas e olhos arregalados.
- Presumivelmente, ambos encontram-se em um estado de choque ou fragilidade emocional. Considerando isso, farei automaticamente a síntese da situação com objetividade.
De súbito, a esfera luminosa se expandiu e adquiriu o formato de um globo terrestre holográfico que girava preguiçosamente em seu eixo.
- Planeta Terra. Data de criação: aproximadamente 4,6 bilhões de anos terrestres. Estimativa de aproveitamento: mais 1,7 bilhão de anos terrestres. Análises constataram que a estrutura interna do planeta poderia vir a se desestabilizar antes do prazo esperado, resultando na prematura expiração da viabilidade de cultivo de vida orgânica neste quadrante.
O globo terrestre luminoso se fragmentou e expandiu-se em centenas de estruturas que lembravam sistemas solares e galáxias.
- Dado o tratado universal de não-intervenção em civilizações pré-desenvolvidas, que rege que toda vida com capacidade cognitiva deve se desenvolver com mínima interferência externa, os Criadores conferiram um mecanismo de restauração semiautomático ao planeta.
Os vários sistemas holográficos se fundiram formando representações simplificadas de vários animais terrestres, situados abaixo da inconfundível representação da figura humana.
- Ainda mediante os protocolos do tratado, a restauração deverá ser operada incondicionalmente por um representante legítimo da espécie dominante com maior grau de inteligência no respectivo planeta; eliminando a necessidade de interferência e monitoramento externos.
As figuras dos animais se fundiram e inflaram em uma nova representação da Terra, pontilhada de vários bonecos de forma humana.
- Caso a espécie dominante não consiga realizar o procedimento de ativação do mecanismo, os organismos do planeta estarão classificados automaticamente como subdesenvolvidos; não sendo dignos de um procedimento que pode desestabilizar o espaço-tempo contínuo da região e implicar em consequências de proporções inexatas.
A figura da Terra se distorceu e os bonecos humanos foram desaparecendo um a um, como que sugados por um ralo.
- Encerro assim o processo introdutório. Posso conduzi-los ao primeiro ignitor do mecanismo de restauração? – Finalizou a voz de aspecto robótico, readquirindo sua forma esférica inicial.
Os dois jovens ouviram tudo aquilo sem mover um músculo de seus corpos; era simplesmente fantasioso demais para ser crível.
- Quem... Quem é você? – Gaguejou Edu, enfim conseguindo pôr um pouco de lógica em sua mente e formular a questão.
- Sou o Guia. Entretanto, a pergunta mais adequada é o “que” sou. Minha função é servir como interface e auxiliador operacional no mecanismo de restauração. Pondo em termos que vocês possam compreender no momento, diria que sou apenas uma inteligência artificial. Ou de modo mais simplificado ainda, um programa.
- Programa? – Indagou Edu, sob o olhar de Naty.
- Sim. Um software biológico programado diretamente no DNA de alguns seres deste planeta.
O rapaz franziu a testa e sacudiu a cabeça, num gesto misto de choque e profunda incompreensão. Mas antes que pudesse tornar a falar, Naty adiantou-se:
- Então foi você... A voz que ouvi na minha cabeça quando estávamos na universidade!...
- Correto. Os sensores da catástrofe despertaram meu funcionamento naquele instante, sinalizando que a reação em cadeia no núcleo deste planeta estava eclodindo.
- Quer dizer que... – Naty titubeou – Você esteve “dentro” de mim por toda a minha vida?...
- Naturalmente. Como mencionei, alguns seres deste planeta possuem uma cópia da minha programação, disseminada do código original implantado no despertar da evolução orgânica deste planeta. Mas meu funcionamento através de seu corpo só teve início há 19 minutos e 42 segundos terrestres.
A garota levou as mãos ao rosto. Sua cabeça rodopiava.
- Espere... Você está falando sobre destruição do planeta e tudo mais... Isso é sério? – Insistiu Edu, tentando raciocinar com clareza.
- Sim. Seu planeta implodirá dentro de 2 horas terrestres, devido a uma anomalia geotérmica latente originária do período de sua criação. O evento culminará na extinção de toda a vida orgânica existente, inviabilizando o desenvolvimento de qualquer outro organismo no futuro distante. Em resumo, será a morte da Terra. – O Guia fez uma pausa e reiterou – Esclarecidas essas questões, recomendo que prossigamos de imediato para o primeiro ignitor e restauremos este planeta, antes que as condições agravem-se drasticamente.
Naty afastou as mãos de sua face e lamentou:
- Mas por que comigo? Por que isso está acontecendo justo comigo??
- Casualidade. Os protocolos de operação regem que apenas alguns poucos organismos executarão o código durante o alerta da catástrofe. E dentre estes, apenas um será intitulado para realizar o procedimento por vez. Caso ocorra uma falha, um dos outros organismos com o código ativado será promovido à função.
- Isso não faz nenhum sentido! – Urrou Edu, perdendo o pouco de lucidez que detinha.
- Receio que não faça para vocês, com seu ínfimo conhecimento das estruturas do multiverso. Entendam humanos, este é o planeta de vocês. Ele está fadado a desaparecer, mas lhes foi concedida uma chance para salvá-lo. E salvar a todos os seres que nele habitam. Tudo voltará a ser como deveria ser. Posso garantir isso.
Naty abaixou os olhos e fitou a areia branca salpicada sobre seus tênis e sua calça jeans molhada. Edu respirava pesadamente, num esforço para recuperar sua calma. Era estranho vê-lo naquele estado tão fragilizado; mas quem poderia culpa-lo diante de tudo o que se desenrolava.
- Humanos, o tempo está se esvaindo. Neste exato momento, vários locais deste planeta estão ruindo como o lugar de vocês vieram e muitos outros já se perderam. Ofereço a vocês duas opções: Prosseguir de imediato com os procedimentos do mecanismo de restauração; ou abdicar desta tarefa que lhe foi encarregada. - Prosseguiu a esfera de luz, com sua voz robótica desprovida de qualquer emoção.
Naty levantou os olhos para o Guia.
- Então eu posso... desistir? Mas... E o que vai acontecer?
- Será considerado como uma falha, e o próximo organismo com o código ativado assumirá a função. Mas tenha em mente que cada falha culmina em taxas mais estreitas de sucesso no procedimento devido ao tempo perdido.
Naty olhou para Edu, que a fitava com a mesma expressão vazia.
- Isso é uma loucura, não é...
O rapaz soltou o ar pelas narinas e riu tristonho.
- É...
- O que devo fazer Edu... Estou... Estou com medo... – Naty secou as lágrimas que brotavam – Estou morrendo de medo...
O jovem abaixou a cabeça, fitando a areia branca por alguns instantes, e então tornou a encarar a colega. Seus olhos continham um brilho sutil muito familiar quando estendeu a mão esquerda para a garota.
- Não importa o que você decidir... Vou estar contigo.
“8ª série
Natiele – turma 8B vespertino
Eduardo – turma 8B vespertino
Festa de graduação
Naty se via rodeada de jovens agitados, carregando copos de bebida em suas mãos, vozes alteradas e dançando ao som da música do lugar. A verdade, é que a garota preferia estar em qualquer outro lugar do universo naquele momento, mas forçou-se a participar daquele ritual de passagem pois tinha algo importante a fazer. Algo que necessitava fazer.
Perambulou por entre colegas conhecidos e desconhecidos, famílias e amigos, torcendo para ser notada o mínimo possível. Vagou até a área onde uma dezena de jovens dançava animadamente, mas ainda não conseguia avistar aquele que procurava. Rumou para o bar, olhando de relance para trás, e acabou esbarrando em alguém.
- Ai! Desculpe... Desculpe... – Afobou-se Naty, unindo as mãos num gesto de clemência.
- Naty?
Levou alguns instantes para a garota atrapalhada reajustar sua mente e identificar em quem havia esbarrado.
- Edu!
O rapaz sorriu calorosamente.
- Poxa, que bom que tu veio! Você merecia mesmo uma boa diversão para esfriar essa inteligência toda!
Edu fazia menção ao prêmio de aluno modelo que a direção do colégio concedia ao estudante que obtivesse o melhor desempenho dentre cada respectiva série.
- Ah aquilo... Obrigada... – Naty corou instantaneamente e desviou o olhar por um momento; mas lutou para manter-se firme, pois precisava fazer aquilo que planejara – Que bom que te encontrei Edu, queria perguntar... Você vai mesmo mudar de colégio?
O rapaz baixou os olhos para o copo de bebida que segurava e agitou distraído o seu conteúdo.
- É verdade. Não apenas de colégio, mas também de cidade. – Sua voz transparecia uma espécie de amargura – Meu pai aceitou um trabalho importante na capital e decidiu que seria melhor mudarmos para lá. Eu não... Não queria ir, entende? Todos os meus amigos, parentes, gente que gosto... Todos vivem aqui.
- Eu entendo. – Respondeu a garota – Queria muito que você não fosse embora.
Edu fixou seus olhos castanhos nos olhos de Naty, emitindo um curioso brilho sutil; quase que como iluminados por dentro.
- Sério? – A voz do rapaz continha um tom intrigado.
O coração da garota disparou. Sentia o chão sumindo de seus pés a cada batida.
- Edu... Eu queria te dizer... Eu sempre... Eu... É... Queria te dizer que eu... – Naty foi subitamente interrompida por um grupo de jovens que abordou o rapaz, desviando sua atenção.
- Fala Duzito! – Exclamou um deles.
- O que tá fazendo sozinho aí meu filho! – Exclamou outro.
- Estamos indo para a casa da Mallu, a festa lá vai ser mais “interessante”... – Disse uma garota que estava no grupo, com um risinho pouco discreto.
Naty recuou lentamente, sentindo sua coragem desmoronar. Sabia que estava sendo excluída pelos amigos do rapaz e que não possuía lugar ali.
- Ah... Calma galera, eu não decidi se vou ainda e... Ei! Naty! Espera! – Exclamou Edu ao ver a garota se afastando.
Naty ignorou o chamado e apurou o passo. Sentia as lágrimas se formando em seus olhos, como um recipiente cheio que recebia a gota final para transbordar. Estava cansada e amargurada com sua vida. Precisava desaparecer do mundo.
Afundada em suas dores, Naty acabou tropeçando em um pequeno desnível do piso e precisou se apoiar numa jovem que conversava parada ali. A garota segurava um copo de bebida que acabou virando sobre suas roupas com o esbarrão de Naty.
- Ei! Sua gorda idiota! Olha o que você fez! Balofa escrota! – Disparou a jovem, furiosa.
Naty não conseguia nem sequer se desculpar; o doloroso nó em sua garganta asfixiava-a. Desvencilhou-se daquela multidão e irrompeu porta a fora, rumando para a rua banhada pela luz pálida do luar.”
Naty fitou a mão estendida de Edu e, sentindo o coração pulsar enlouquecido dentro de seu peito, segurou a mão do colega.
- Guia... Vamos em frente então. – Resignou-se a garota, virando o rosto para a esfera luminosa que flutuava em silêncio diante dos dois.
Houve um estrondo forte e a garota sentiu a areia macia da praia desaparecer sob seus pés, enquanto seu corpo iniciava uma veloz viagem por algo semelhante a um turbilhão de cores e sons difusos. Ainda segurava firmemente a mão de Edu, ambos rodopiando por aquele lugar que poderia muito bem ser uma passagem para outra dimensão.
De súbito, o turbilhão desapareceu e o corpo de Naty entrou em contato com uma superfície macia novamente.
A primeira coisa que pensou assim que seus sentidos voltaram aos eixos foi: “frio”.
*P.S.: Demorou, mas até que enfim saiu a parte 2. Eu sei eu sei... Fumei umas ervas daninhas antes de escrever e deu nesse troço aí ,:P
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